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A divergência entre os dados de violência sexual infantil no Paraná

Updated: Dec 4, 2019

Por Ana Cláudia Iamaciro, Andressa Carvalho, Carla Tortato, Gabriela Küster Solyom, Laís da Rosa e Maria Vitória Pessoa

Esse é parte do depoimento da Olívia, nome fictício, ela tem 21 anos e foi abusada pela primeira vez pelo filho da babá. Ela tinha apenas 3 anos quando teve sua vida marcada pela violência sexual, a história da Olívia está íntegra está na aba de entrevistas. Quando criança, a jovem foi abusada por mais duas pessoas, seu pai e o filho da madrasta.


Olívia foi vítima de abuso sexual, mas só recentemente entendeu tudo que tinha sofrido. Ela relata que não se recordava de ter sido tocada indevidamente pelo irmão de consideração até esse ano. Ela faz acompanhamento psicológico e foi durante as sessões que se lembrou das cenas. A jovem nunca registrou denúncia contra os criminosos, ela tinha mais de dez anos quando teve coragem de contar para sua mãe o que tinha passado.


Através da base de dados levantada pelo Cadê Paraná e exposta nos informes temáticos, a equipe do Infâncias Roubadas percebeu uma diferença na análise de ocorrências de violência sexual em crianças e adolescentes. A publicação analisada foi Violência sexual contra crianças e adolescentes: avanços e desafios nas ações de enfrentamento.


O Ministério da Saúde notificou entre 2011 e 2017 mais de 185 mil casos de violência sexual, esse levantamento se baseia nos dados do registro do SUS (Sistema Único de Saúde). Destas, 76,5% foram contra pessoas de até 19 anos, sendo que em média 31,5% das vítimas tem entre zero e nove anos.


Para a pedagoga e especialista em educação sexual, Caroline Arcari a prevenção pode ser alcançada através da criação de ambientes seguros, fortalecimento da legislação, responsabilização dos autores de violência e a prevenção primária, através da educação sexual. "Nós precisamos que crianças e adolescentes saibam o que é violência sexual, saibam o que é diferença entre toques abusivos e toques que realmente são  toques de atenção, afeto, carinho, ajuda. As crianças e adolescentes tem que ter essas ferramentas, ter o vocabulário, para falar o que aconteceu, se alguém tocou nas partes íntimas." Ela também menciona que a educação é diferente da erotização e não incentiva a prática sexual.

Os números apontados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos HUmanos informam que, em 2018, o Disque 100 recebeu 17.093 ligações para denunciar casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, isso são 50 casos por dia no Brasil. No Paraná o órgão funciona também junto com a Ouvidoria online e o aplicativo Proteja Brasil.

No total, foram registradas 4.895 queixas de violência sexual contra crianças e adolescentes - entre 2014 e 2018.


Caroline afirma que de acordo com a nossa legislação é função da escola  trabalhar com questões de sexualidade. "Dados do disque 100, mas a gente também pode pegar dados do Ministério da Saúde de 2011 a 2017, mostraram que mais de 70% das situações de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorre  no ambiente intra familiar, então se fosse somente tarefa da família, como essas crianças que sofrem violência dentro de casa, que é a maioria dos casos no Brasil, estariam protegidas? Elas precisam de um outro ambiente para falar sobre isso."


A assistente social Ariane Kreusch afirma que o Atendimento Médico Ambulatorial (AMA) possui uma ação de política interna que abrange procedimentos de prevenção a qualquer tipo de violência contra a criança e o adolescente. "Todos os funcionários são orientados para perceber os sinais de violência, trabalhamos com educação infantil de zero a cinco anos e crianças com até 9 anos", explica Ariane. Todas as equipes técnicas são formadas por assistente social, pedagogo e psicólogo que acompanham a criança em todo o processo.

Os autores da violência são normalmente classificados como pedófilos, mas a psiquiatra Kelly Santos, explica que existe uma diferença de perfil entre alguém que possui o transtorno e um abusador. "O abusador seria um sujeito que também se relaciona com adultos, mas que também se relaciona com menores. Isso acaba sendo mas frequente". A pedofilia é caracterizada por fantasias compulsivas com criança e surge antes ou depois da puberdade e é estável ao longo da vida, mesmo não tendo sido colocado em prática o desejo já classifica a síndrome, segundo o DSN5, manual diagnóstico psiquiátrico atual.


A psiquiatra também explica que não existe um tratamento específico para pedofilia, mas são usados recursos terapêuticos e farmacológicos para o controle dos impulsos e para a redução do desejo sexual. Esses podem ajudar no autocontrole podendo potencialmente evitar que os pacientes comentam crimes. "Quando você descreve alguma coisa como doença, não é no intuito de descriminalizar os atos que eles podem vir a cometer. Mas serve para tentar agir na prevenção, e também para que a lei possa tratar cada caso de maneira apropriada, inclusive talvez, com agravação de pena."


Subnotificações

Apesar do número de denúncias já ser alarmante é possível que seja ainda maior, porque muitos casos não são relatados, tanto pela questão da violência acontecer dentro da família quanto pela falta de conhecimento das crianças, como explica a psiquiatra.


Sobre a falta de denúncia Kelly explica:

No Paraná o Disque 100 também conta com a um vínculo entre Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária e a Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho para denúncias, depois de feitas são encaminhadas ao Conselho Tutelar. Entre 2016 e 2018, 1.064 acusações do crime contra crianças e adolescentes foram registradas. O número representa 31% da quantidade total de violência sexual.

A pediatra Darci Bonetto relata que o abuso pode ser físico ou psicológico, sendo o último mais difícil de detectar. “O abuso físico nem sempre tem uma ruptura de hímen, pode ser o fato de ‘passar a mão’, acariciando, isso pode ser considerado abuso”, explica a pediatra. 

Ela faz o alerta aos pais sobre a mudança de comportamento da criança. “Sempre dizemos que o abuso passa pelo ‘silêncio’, porque o abusador intimida a vítima com ameaças, às vezes a família até sabe, porém recebe agrados e presentes em troca do silêncio”. Ela ainda diz que o crime pode acontecer até mesmo dentro de casa e que existem casos em

que o pai, o avô, o tio ou o primo, qualquer pessoa dentro de casa é o autor da violência.


De acordo Darci, a criança que sofre abuso tem que ser encaminhada para um acompanhamento psicológico, porque é um trauma muito grande. “Do psíquico vem o orgânico, a criança pode começar a se auto mutilar, a roer unha, pode criar ansiedade e medo”. Ela ainda diz que na parte física, depende do tipo de agressão que a criança sofreu. “É lógico que causa traumas físicos nas crianças”, finaliza.

A instituição Childhood tem um trabalho forte na área do abuso infantil e fala sobre a inserção da tecnologia na vida das crianças e os riscos de criar vítimas na rede. Sobre os tipos de violência:

Denúncias 


A pediatra Darci Bonetto diz que a primeira coisa a ser feita em um caso de violência sexual é a denúncia. “Pode ser através de um B.O, comunicar o conselho tutelar, e depois comunicam os pais para cuidar da vítima, fazendo vários exames para verificar se houve contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. Isso se não for algo que ocorra há muito tempo”, explica.


O delegado titular do Núcleo de Proteção à Criança  e ao Adolescente (NUCRIA) José Barreto explica que o serviço conta com uma delegacia especializada no combate ao crime à criança e ao adolescente, atendendo casos mais graves como tortura, abusos sexuais, lesão corporal  abandono de incapaz. As notificações chegam até a polícia de diversas formas. “A principal forma é o boletim de ocorrência que é quando a própria pessoa vem noticiar a ocorrência de um crime, mas a gente também recebe por telefone, e-mail, qualquer outra forma de chegar ao nosso conhecimento”, diz Barreto.


As denúncias são feitas diretamente para a Polícia Civil que encaminha para eles. Por se tratar de uma delegacia especializada, o delegado explica que eles possuem psicólogos que ouvem as crianças. Após esse processo, começa a parte da investigação, no qual são pedidos exames no Instituto Médico Legal, como em casos de estupro e lesões corporais. Eles também vão até o local do crime para coletar evidências. “Depois que o inquérito já está instaurado e já existem provas suficientes, a gente interroga o noticiado. É o momento que ele tem a oportunidade de apresentar a defesa dele”, conta Barreto.


Mapa de onde buscar ajuda em Curitiba:


Campanhas


As campanhas de conscientização não são feitas apenas em uma época do ano, e sim, em diferentes datas. A mais recente, de acordo com o delegado José Barreto, foi feita em outubro, no dia das crianças. “A gente faz um trabalho de conscientização para que esse tipo de crime possa ser descoberto e investigado”, diz.


O dia 18 de maio foi denominado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Infantil, de acordo com a Lei 9.970/00. A data foi escolhida a partir do caso do crime cometido contra Araceli, uma menina de apenas 8 anos de idade, abusada sexualmente e brutalmente assassinada em 18 de maio de 1973. 


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